segunda-feira, agosto 16, 2010


Um campeão parado nos blocos de partida


Raul Pereira, covilhanense de 37 anos, já foi campeão nacional e recordista de lançamento do peso em desporto adaptado. Mais tarde sagrou-se vice-campeão nos 100 metros em cadeira de rodas, mas deixou de competir por falta de verbas para as deslocações às provas e para o equipamento. A ambição passa por um dia representar Portugal nos Paralímpicos

Quando, aos 25 anos, Raul Pereira ficou com lesões irreversíveis nos membros inferiores e perdeu uma perna, o pensamento era no sentido de “aprender a viver com as limitações”. “Tinha de continuar a minha vida”, frisa. Antigo júnior do Sporting da Covilhã, o desporto sempre fez parte da sua vida, e continuou a fazer.

Só não imaginava que se havia de sagrar campeão nacional e recordista no lançamento do peso, a que juntou os títulos no dardo e disco. “Pensei que queria que o desporto continuasse a fazer parte da minha vida, só tinha de encontrar uma modalidade a que me pudesse adaptar. Um dia o seleccionador nacional esteve na Covilhã e disse-me que tinha características para os lançamentos e foi o que comecei a treinar”, recorda.

O entusiasmo não faltava, só que os movimentos repetitivos começaram a provocar danos no joelho e teve de abandonar essas disciplinas. Seguiram-se as provas de atletismo de 100 e 200 metros em cadeira de rodas, que se tornaram não apenas uma forma de manutenção da forma ou um passatempo mas também um vício, para o qual treinava duas vezes por dia, com ginásio pelo meio, de forma a fortalecer os músculos e as fibras rápidas.

Os resultados acabaram por aparecer, num sector que, embora não muito competitivo, devido ao custo do equipamento e à dificuldade nas deslocações para as provas, exigiu dedicação. Em 2006 Raul Pereira foi vice-campeão nacional nos 100 metros, na competição disputada em Seia.

Com os Paralímpicos no horizonte

Desde então, começou a sonhar mais alto. E a treinar com a intensidade necessária para alcançar a ambição de poder vir a participar nos Jogos Paralímpicos. “Tinha bons resultados. As perspectivas eram boas”, refere. “Era para isso que treinava todos os dias, duas vezes por dia”, acrescenta. A determinação acabava por contornar as dificuldades de viver num meio periférico, sem companheiros de treino que facilitassem a sua progressão e sem treinador. “Era eu que fazia os meus planos de treino, através da internet, dos livros que comprava e com base nos conhecimentos que fui adquirindo”, lembra.

Mas os apoios nunca surgiram. Existe a Federação Portuguesa de Desporto Adaptado, “só que os atletas só consegue apoios quando chega aos Paralímpicos, para lá chegar não. Devia ser ao contrário”, advoga Raul Pereira. A pagar todas as deslocações do próprio bolso, mais o material, viu-se obrigado a desistir da competição por falta de condições, embora continue a treinar todos os dias, embora sem a mesma intensidade. Nesta altura do ano fá-lo de dois em dois dias, por causa do calor.

“É o preço do Interior, isso paga-se. As provas não são cá, tudo o resto está longe”, lamenta o atleta, que faz do Complexo Desportivo da Covilhã a sua segunda casa. Para dar um exemplo das dificuldades, mostra as luvas que utiliza, completamente gastas e com partes e soltarem-se. “Só as luvas custaram 150 euros, foram encomendadas nos Estados Unidos da América”. A cadeira, comparticipada pela Segurança Social, custou 3250 euros. “Se tivesse rodas em carbono ascendia aos cinco mil. E para conseguir melhores resultados elas são necessárias, por serem mais leves e mais rápidas. Não é possível fazer os mesmos tempos com cadeiras tão diferentes”. O material, constata, “é todo muito caro”.

“O desporto facilita o resto”

“Gostava de voltar a competir”, confessa. Um desejo para já difícil de concretizar, por falta de verbas que o permitam. Para já, a motivação está intacta, só receia que ela possa desaparecer. Também gostava de ver mais gente a seguir-lhe o exemplo, ele que é o único atleta em cadeira de rodas a utilizar o Complexo Desportivo da Covilhã. “Para isso são necessários apoios consistentes”.

Ver mais gente com deficiência na rua, a praticar desporto, deixá-lo-ia satisfeito não tanto por motivos desportivos mas sociais. “Na delegação da Associação Portuguesa de Deficientes percebi que há muita gente que se isola, que deixa de viver por causa da deficiência. O desporto é um meio de integração”, acentua. No seu caso, nota que “o desporto facilita o resto”. “É onde a gente esvazia o stress do dia-a-dia, sentimo-nos melhor para encarar as outras adversidades”, realça.

Entre uma ou outra palavra de incentivo de quem o vê a treinar, Raul Pereira, agora com 37 anos, atleta relativamente jovem quando se trata do desporto adaptado, acalenta o desejo de voltar às grandes competições nas pistas, para além de uma ou outra prova de resistência em que vai participando.

“Isto no desporto adaptado é mais difícil. Não é valorizado como devia ser”, censura. Exemplo disso, observa, são as diferenças nos prémios para os atletas ditos normais, que não têm os mesmos custos com o material.

À espera de uma oportunidade profissional

O aluimento de terras que vitimou Raul Pereira, covilhanense agora com 37 anos, fê-lo reconsiderar as prioridades da vida. Com o alento dado pela família, e pela esposa em particular, decidiu voltar a estudar. Terminou o liceu em 2008, com um prémio de mérito. Este ano concorreu ao ensino superior, que espera frequentar na Escola Superior de Gestão de Idanha-a-Nova. “Gostava de ser solicitador, tenho apetência para isso”.

Embora os resultados escolares sejam animadores, o percurso não tem sido fácil. “Neste tempo todo nunca desisti de ter emprego, já enviei centenas de currículos, mas nunca me foi dada uma oportunidade”, lamenta.

“Tenho bom currículo, sei que tenho capacidades, mas olham primeiro para a minha condição. Olham mais para a embalagem que para o conteúdo”, censura. “Ser uma pessoa com deficiência não é fácil, porque nos surgem obstáculos que não havia necessidade, não apenas físicos mas também mentais”. “Aos 25 anos, não pensei que isto me fosse acontecer, a verdade é que pode acontecer a qualquer um. Há que perceber que se forem dadas oportunidades às pessoas com deficiência, elas sabem ser profissionais”, continua.